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A vida sem CHEIROS não tem cor nem amor...;)
No meu tempo...
Ele pensou nessa frase,... O começo do discurso sobre comportamentos que desfiou para o filho, horas antes de sair de casa.
Estava a conduzir a caminho do trabalho quando, parado no sinal vermelho, observou um grupo de jovens adolescentes que atravessava a rua. Rapazes com as calças largas, um número bem maior que o corpo pedia , descidas, mostravam as cuecas e raparigas com as calças tão apertadas que pareciam não conseguir respirar, no mínimo um numero a baixo, deformavam o corpo ainda em formação.
Bem, esse, por certo, era é o tempo deles...
O tempo do “por que não...?”, sem entoação de pergunta e sim de uma afirmativa categórica.
De fato, no tempo "dele" , esse “porque não!!!”, era a resposta e também o ponto final.
Constatou então, que a gramática havia mudado e nesta nova, os pingos nos “is” caíram, de vez, em desuso.
Lembrou da conversa que tivera com o filho naquela manhã. Enquanto falava sobre o mau comportamento dele na escola e em família, o garoto expressava-se com monossílabos ou vocábulos em inglês.
Sentiu-se como numa sala de conversas (chat) da internet. Com a sensasão de já ter ultrapassando o número de letras permitido, onde já não adiantava insistir na mesma tecla.
Lá ia o seu filho, mochila as costas, pedaço de pão na mão, com um "anel" no nariz a "digitar" no ar um grande “FUI!” ...Como que a bloquear o acesso a visitantes indesejável.
Ficou travado, no ecran daquela cena, até então. Era como se o cursor do rato estivesse congelado na sua cabeça. Deu-se conta que repetiu a mesma frase que o pai lhe dissera há tantos anos atrás:
“No meu tempo era assim e não assado”.
E uma sensação de impotência instalou-se-lhe na alma. Acaso não tenho mais tempo?
Então onde o perdi?
Só podia tê-lo perdido... pois não o vi terminar!
O que faz o tempo do "meu " filho não ser o "meu" também? Afinal, só havera realmente, um tempo na vida? O tempo dos jovens?
Quando ele dizia: “no meu tempo”, parece que, automaticamente, um botão o tirava de circulação, limitando-o a um tempo que já se passara há muito... Mas, ao levar a mão ao peito, o que era aquilo que ainda reconhecia a pulsar? e a pontada de expectativa diante do que tinha por viver?
Dos sonhos que ainda não haviam se tornado realidade... Dos planos esboçados num guardanapo de papel no café da manhã, ainda à pouco...
Aqueles jovens que atrevessavam a rua carregavam a mesma atitude que um dia tivera. Um olhar indiferente para os adultos há sua volta. Um ritmo novo no andar, como se afrontassem o silêncio dos comedidos, com seus passos sem pressa de chegar.
Talvez por que chegar não fosse tão interessante quanto era o passeio... Isto "ele" lembrava-se de ter sentido, mesmo que não concebesse que o tinha sentido na época. Mas agora, sob a calvície adquirida pela idade, de homem que vive a correr atrás do futuro e deixa o presente sempre no passado, o pensamento naquela sensação quase a trouxe de volta e por pouco não deixou o carro para seguir a pé...É que o que o acorrentava àquele banco era, talvez por ironia do universo o tempo. ..
Esse roteiro pontual da vida que nos põe adiante.
Sinal verde. Era hora de cumprir o tempo. Viu os adolescentes desaparecerem , no outro lado do passeio , no meio do ir e vir dos transeuntes e assentiu para si mesmo em concordância com o fato de que eles também precisavam seguir, mesmo sem perceberem que a alegria era trilhar o destino e não tê-lo prontinho na próxima parada.
Alguns minutos depois, chegou no escritório de contabilidade onde trabalhava.
Olhou o "tempo" na parede, estava na hora: deu o bom-dia de todos os dias. Retomou o trabalho de tantos dias. Recebeu a incumbência do dia. Tomou o segundo café do dia. Meio-dia comeu o prato do dia. Fim do dia deixou tudo em dia e preparou-se para retornar a casa que comprara um dia a prestações, que se estendem até hoje , mas que são debitadas na sua conta, automaticamente, no dia do vencimento. .
Então, como um balde de água fria, despertou de todo o cansaço do expediente, enquanto procurava pelas chaves do carro, no estacionamento da empresa, chegou á conclusão de que seu tempo não havia acabado.
A cada dia, ele estava lá a construir o dia seguinte, possibilitando o amanhecer. Por que então aquele tempo não era seu?
Quem de fato o fazia acontecer?
Sorriu ... E ainda a sorrir seguiu para casa, sem pressa, sem horas.. conduzia o carro no tempo que agora voltara a ser dele.
O passado fugiu, o que esperas está ausente, mas o presente é teu. O teu tempo... Vive-o
(Provérbio árabe)
Miguel ,gracias